Por Cleusa Sakamoto
Muitos episódios marcantes da vida são memorizados com a “etiqueta” (hashtag) o “número 1”, ou seja, o primeiro. Exemplos como: o primeiro dia em que andamos, a primeira palavra que pronunciamos, o primeiro livro que ganhamos, que lemos, o dia em que verdadeiramente apreciamos o que é uma boa leitura, o primeiro dia de ida para escola.
Outros exemplos mais: o primeiro dia em que fomos ao local de trabalho de nosso pai, a primeira comunhão, o primeiro dia que dormimos fora de casa, a primeira viagem a passeio, o primeiro beijo. Tantos são os primeiros fatos e as primeiras vezes, que tecem a história pessoal que é a trajetória da vida de cada um!
Ainda e sempre, teremos como lembrança guardada na memória, o que foi o primeiro, em várias áreas do existir, porque ele marca uma nova experiência, nossas descobertas, acréscimos na / sobre a experiência de viver.
No contrafluxo desta valorização, observamos uma tendência na ‘vanguarda’ hoje, que neutraliza este evento de ser o primeiro. Parece haver certo descaso sobre o que acontece inusitadamente no plano da experiência cotidiana, com a exceção do lançamento de algum produto de consumo, em que até fila de pessoas madrugada a dentro (que desejam adquiri-lo) fazem a publicidade do novo “bem” de consumo. Com o passar do tempo, esta cega atitude de depreciação da novidade individual pode representar uma grande perda, já que as gerações podem passar a depreciar a experiência do novo.
O novo sempre se materializa com o primeiro ato. Neste sentido, o conjunto de experiências que envolvem o memorável primeiro dia ou a inesquecível primeira vez, caso perca a importância, pode acarretar uma perda maior: a visão de processo que é a característica suprema do ciclo da vida e que ordena e nomeia a construção da existência.
Vemos liderar a lista da desvalorização do primeiro dia, o primeiro dia de aula de veteranos universitários. O que isso acarreta na formação acadêmica? Será significativo?
No primeiro dia de aula, cada professor e cada disciplina são apresentados a cada turma de graduandos. Muitos dirão que é um momento irrelevante na medida em que as apresentações são desnecessárias já que o professor já é conhecido (o que é fato algumas vezes) ou estará no convívio semanalmente, o que torna dispensável a apresentação do primeiro dia. Outros dirão que a apresentação formal nada acrescenta de palpável porque o conteúdo é que importa e ele será conhecido ao longo do semestre. Será que estas ideias todas não estão deixando de lado, o instante especial de apresentações em que cada um se dispõe de modo próprio porque é o primeiro dia? Será que o professor voltará a falar o que disse no primeiro dia, porque na primeira vez cuidamos de certos detalhes que não o fazemos depois, simplesmente porque já não é o primeiro dia. Aquele momento em que há um primeiro encontro entre professor e alunos para abordar o que será o semestre naquela disciplina, é muito mais que falar de conteúdo e método, é um encontro humano, de reconhecimento e de contrato. Esta experiência constituída por alunos e seu professor no primeiro dia de aula, não se repetirá, não poderá ser reproduzida nos outros dias de aulas. As outras aulas serão outros momentos, novos também, mas nunca mais o primeiro.
É curioso pensar que ninguém consciente de seu desejo de trabalhar, falta ao primeiro dia do novo emprego… por que será que muitos alunos começaram com este ritual de faltarem aos primeiros dias de aula no ensino superior? Será que existe alguma mensagem neste ato? Automatismo? Descompromisso? Perda do valor afetivo do encontro humano? Falta de consciência da visão maior do que é aprender? Aliás, ‘aprender’ significa ‘obter conhecimento’ ou “trazer para junto de si o conhecimento”. Para “trazer junto” é necessário, “estar na situação” em que o conhecimento se processa, a aula.
A primeira aula é muito importante. É quando professor e alunos se solidarizam para conversar sobre o novo semestre e estabelecem um contrato de trabalho deste período em relação a um conteúdo e atividades. Momento solene de apresentações em que cabem dúvidas e esperança, quando ocorre o primeiro elo do vínculo que se estabelecerá. Todos conhecem o valor do professor. Todo professor reconhece que sem alunos, não há sentido o seu papel. O primeiro dia é o dia em que todos “comemoram”, “lembram juntos”, esta incrível parceria!
O momento de apresentações do primeiro dia de aula precisa ser resgatado em seu justo valor! Professores não têm faltado a este encontro! Aguardam sempre seus alunos, que podem voltar a serem pontuais neste dia!
Bem-vindos alunos ao dia de aula Número 1!