Aquilo que chamamos de vida vai se desdobrando pesadamente sobre nosso processo cotidiano. Ela se nos apresenta vez ou outra, embalada de maneira convidativa e em cores de alegria. Assombra-nos com sua beleza manifestada, e, nos retira do tempo, esse que vai nos degenerando dia a dia, e pondo fim em nossas possibilidades. E, desprendidos da marcha fúnebre do tempo, e dele esquecidos, podemos tocar, mesmo que por alguns segundos, a liberdade e a sensação de felicidade.
A liberdade está sempre atrelada umbilicalmente ao processo dialógico. Dizer a PALAVRA é fazer a experiência do encontro. Aquele encontro de que fala o filósofo Martin Buber, onde eu só posso ser “EU” quando pronuncio “TU”, e ao dizer “TU” estou sendo “EU”. Nessa forma de pensar a vida, está toda a dinâmica da verdadeira liberdade. Podemos ficar horas a olhar os outros, e, a analisá-los, daí, então, estabelecemos alguns diagnósticos, e, por fim, dizemos a eles quem e o que eles são, ou, como deveriam proceder para uma vida mais honesta e saudável.
Damos ao outro as chaves de sua liberdade. A partir da nossa palavra o outro vai se descobrindo e sendo. Sendo o que Nietzsche lhe proporá: “Torna-te aquilo que tu és”. Tudo isso é processo dialético na experiência do encontro, onde descubro cada vez mais quem sou EU na medida em que me permito ao movimento dos acontecimentos humanos.
Ajudamos o outro a ser um “EU”; uma PESSOA; um indivíduo que tem posse de SI. No entanto, continuamos fugindo de nós mesmos. Vamos burlando cada ocasião que o tempo nos proporciona de realizar esse embate conosco mesmos. Na iminência desse encontro nós fugimos, porque ao nos deparar com aquilo que SOMOS nós nos assustamos. Não gostamos daquilo que vemos, porque aquilo que descobrimos que SOMOS não é o que de fato, gostaríamos nós, de SER.
Assim vamos descobrindo porque não gostamos muito de ficar sozinhos e, porque sempre ligamos os aparelhos eletrônicos quando chegamos em casa. É porque temos pavor de descobrir cada vez mais quem somos nós. O encontro dialético que fazemos conosco mesmos se dá na solidão. No vazio. No silêncio. É na justa medida do encontro a que nos proporcionamos que vamos nos tornando mais “EU”. O filósofo Nietzsche, na sua razão, nos permite pensar isso, quando afirma que não conseguimos nos libertar de nossos tormentos, mas conseguimos libertar aqueles que estão um pouco mais distantes: os amigos. E não conseguimos nos libertar justamente pela crueza e pelo medo que temos de nós mesmos, e, de visitar os calabouços de nossos cativeiros. Tememos aquilo que vamos encontrar e antecipamos nossa derrota. Poderíamos dizer aqui dos afetos, estes que nos entorpece a razão e nos aproxima de um bem e um mal ao mesmo tempo. A razão ainda não dá conta de suplantar as paixões, muito embora consigamos emprestar um equilíbrio suficiente. Podemos livrar nossos amigos desses pesadelos, pela justa causa de não sermos nós aqueles que sofrem a pena dessa contradição. No entanto, somos insuficientes no combate direto de nossos grilhões por não poder vê-los afastadamente. Ou …
Texto produzido com a colaboração de Leandro de Castro, aluno de Filosofia da FAPCOM