Euclides Mance abriu as exposições do I Congresso Brasileiro de Filosofia da Libertação e I Simpósio de Professores de Filosofia do Estado de São Paulo, na manhã de hoje, na FAPCOM. Sua abordagem introdutória traçou um breve histórico da Filosofia da Libertação.
Segundo Euclides, a história de cinco séculos de dominação da América Latina é marcada por lutas e resistências. As heranças desse processo revelam algumas facetas da dependência relacional entre subdesenvolvimento periférico e desenvolvimento central, que está associada ao acúmulo de riquezas e desenvolvimento nos centros, em detrimento da pobreza e miséria concentradas nas periferias – pela transferência de bens e valores das margens para os núcleos.
Citando Paulo Freire, Mance falou da educação como praxis (atividade humana) de libertação: “A pedagogia de Freire constitui alguns dos ingredientes mais importantes para o desenvolvimento de uma Filosofia da Libertação”, explicou Mance.
O conferencista apontou que as diferentes maneiras de pensar promovem o acordo comunicativo e formam o caráter libertador do pensamento elaborado. Compartilhar conhecimento é construir processos de libertação intelectual por meio da colaboração e da reciprocidade dos interlocutores, conforme seus interesses em construir novas reflexões. “Não existe um ‘Eu penso’. Existe um ‘Nós pensamos’”.
A crítica só é possível se houver liberdade de pensamento, argumentou. Para Mance – ainda fazendo menção a Freire –, a Filosofia deve ajudar o aluno a problematizar a realidade, e não transferir conteúdos para sua mente, simplesmente. Disse ainda que o ato de conhecer não se dá por meio do ato de reproduzir aquilo que já é conhecido, uma vez que a realidade está sempre mudando. É para esta realidade dinâmica que o aluno deve atentar-se, valendo-se de uma humildade dialogal. Ou seja, é preciso acreditar nas capacidades do outro e no seu potencial enquanto colaborador na construção do saber, para que tanto o Eu quanto o Outro sejam libertos de raciocínios herméticos.
O palestrante chamou a atenção para um equívoco comum que costuma rodear o tema da Filosofia da Libertação. “Não se trata de substituir o conteúdo da dominação pelo conteúdo da libertação. O modo de educar é que tem de ser modificado”.
Mance falou do papel dos filósofos, antropólogos e sociólogos como sendo imprescindível para a assimilação da essência do verdadeiro conceito de libertação. Sobre o papel do sociólogo, enunciou que não lhe cabe dizer as verdades da História, mas é seu dever estar inserido num processo dialógico em torno dos conteúdos atuais e dos conteúdos acumulados no transcurso histórico.
Essa atitude intelectual exige de sociólogos e filósofos uma postura bem definida, a começar pelas escolhas dos temas a serem pesquisados e dos grupos aos quais os estudiosos destinarão suas contribuições, a partir de suas reflexões sobre a praxis. “É preciso explicitar a realidade, não ocultá-la. Existem os interesses particulares dos grupos, e isso é contrário ao pensamento libertador filosófico. Não se pode deixar de pensar nas vítimas dos diversos tipos de marginalização ao longo da história, nem nas que continuam a ser marginalizadas hoje”, reiterou Mance.
Novas formas de pensar a Filosofia dependerão das disposições de estudiosos em se colocarem como observadores ativos dos acontecimentos presentes. A partir daí, indicou Mance, deve-se motivar revisões dos estudos filosóficos, de modo que estas revisões atendam de maneira mais satisfatória e igualitária os anseios da pluralidade e multiformidade características das sociedades contemporâneas.
Da esquerda para a direita: Enrique Dussel e Euclides Mance
“O princípio da justiça é o consenso dos oprimidos”
A conferência oficial de abertura do Congresso, no início da noite de hoje, foi conduzida por Enrique Dussel, considerado um dos maiores expoentes da Filosofia da Libertação e do pensamento latino-americano.
Dussel criticou o aprisionamento dos estudos filosóficos na América Latina ao pensamento europeu. A Filosofia latino-americana, segundo ele, ainda caminha a passos lentos rumo a uma produção intelectual que dialogue com a realidade que lhe é própria. Prova disso é a ausência de autores latino-americanos da Filosofia na grade curricular do curso.
O filósofo usou o imperialismo norte-americano como exemplo de poder opressor, que opera sobremaneira nos Estados menos desenvolvidos. Uma das explicações dadas por ele é a de que o capital monetário sobrepõe-se à cultura e às preocupações de cunho social e político dos Estados subdesenvolvidos.
A transferência vertical do pensamento filosófico europeu à América Latina não difere da forçosa transferência da cultura do dominador para o dominado, como é o caso das grandes potências globais para com os países pobres e emergentes.
Para Dussel, o materialismo eurocêntrico e norte-americano contaminou a consciência latino-americana. Do mesmo modo, a Filosofia eurocêntrica imprimiu seu peso sob os estudos filosóficos ao Sul do Ocidente.
Dussel observou que as manifestações populares no Brasil podem ser justificadas em decorrência de um olhar mais atento do povo, que toma consciência de seu poder de transformação do contexto de desigualdade e deformação político-social em que está imerso. Reclamar os direitos de acesso à saúde, transporte, educação, lazer, moradia de qualidade não é outra coisa senão reclamar o direito à dignidade e à igualdade, que devem ser legitimadas pelo Estado. “O poder está nas mãos do povo, não nas mãos da burguesia; o princípio da justiça é o consenso dos oprimidos”, argumentou o filósofo.
O I Congresso de Filosofia da Libertação acontece até dia 06 de setembro, das 9h às 20h, no auditório da FAPCOM – Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. As inscrições podem ser feitas na hora.